sábado, 25 de junho de 2011

INCENDIOS 2

É preciso escrever muito para escrever pouco. INCENDIOS é um dramalhão convicto demais em suas revelações e atento de menos a uma forma de manter o drama alto em cada uma de suas vertentes narrativas e temporais. O paralelismo entre mãe e filha, constante a maior parte do tempo, é a uma opção narrativa fácil e encaminhamento dramático equivocado. Falta um tanto para ter nível para cinema de qualidade para circuitos pops de arte. Esstá no mesmo nível de sub competência oportunista de POESIA

INCENDIOS


O começo nos leva a acreditar que estamos em uma bad trip, no nível de alguns dos piores momentos de Michael WinterbottoN. Imagem de montanhas, um travelling, garotos com cabeças sendo raspadas, rostos feridos, adultos de coturnos, atmosfera de poesia cult, movimentos em câmera lenta, música tristonha e apaziguadora., não sem um close em um dos meninos.

A imagem como banalização daquilo a qual está “dando” uma imagem. Não se trata de dar, mas de subtrair, não representação, mas estetização. Esterilização das evidências. O que são crianças pobres sem contexto diante de uma câmera lenta embalada em música com climinha?

Dois jovens: uma missão de busca (de irmão e pai) para cada um deles. Testamento de mãe louca. Falam todos francês de Quebec
Tem algum nível de delírio sensorial (do filme ou da personagem?). Mas é só aqui e ali. Aquela imagem inicial não é marca geral do filme, que é menos estetizado, mas sintetiza uma ausência de pés no mundo e sua contrapartida na autonomia da ficção

Segue-se passado árabe da mãe louca e a investigação árabe da filha de Quebec. Política mal contextualizada. Talvez só importe a generalização, a indicialidade genérica, agora com roupagem realista, em busca de adesão pelo efeito de documento e presença. O vai e vem temporal, contudo, não é facilitador do envolvimento. Tomates Verdes Fritos versão política apolítica.

Mãe era louca no presente, catatônica, porque sofreu demais. Vemos sua jornada em busca do filho doado com três furinhos no tornozelo. Ela sofre horrores, escapa da morte, mundo árabe é uma loucura. Líbano..

Viagem da filha é mais em busca de sua mãe e de sua ancestralidade cultural. Ela a andar por vestígios de cultura e história ao som de um rock lisérgico acentua essa integração pelo estranhamento. Integração só aparente porque em terra de sua mãe ela não é bem vinda. Filha da vergonha.

Em uma hora de filme, mãe e filha vagam pelo Líbano, ambas em busca de parte de si. De tempos em tempos, a cada novo bloco de espaço dramático, um letreiro gigante ocupa a tela, sempre com letras vermelhas, bem na “tradição” dos cineastas modernos dos anos 60. Letreiros um tanto incompatíveis com o filme. Ao menos aparentemente.

Mãe mata nacionalista, direita cristã, e vai presa. Estupro e gravidez. Os gêmeos são filhos de torturador. Irmão vai ao socorro emocional da irmã

Pelo flash back, ou paralelismo no passado, vemos o outro irmão, franco atirador na guerra. Mata crianças. O tom do relato é seco, racional, distanciado, sem desnaturalizar porém. O naturalismo standart dá o tom geral e, em momentos específicos, em nomes das atuações, saímos um tanto do figurino muzak.

É um filme de coleta de pistas por parte dos filhos e de resumo de experiência traumática por parte da mãe. Essa segunda parte antecede a primeira, quase sempre, e assim esvazia a expectativa. Sabemos antes o que os filhos, durante a investigação, sejam informados sobre o passado. Resta a força dos atores nesses momentos dos filhos. Nada.

INCENDIOS é um dramalhão político despolitizado que lida com a política e a guerra como cenário, voltando-se todas as suas forças para uma noção de passado enigmático, poço de segredos entrelaçados e coincidências de roteirista, que investe em um cinema de qualidade internacional sem a devida competência para se tornar um exemplo maior de uma Hollywood Cult multinacional em suas percepções. Depende demais de uma solução final contida nas cartas e antecipada antes. Irmão e pai em um só corpo.

O fim é de superação da raiva. Outra pauta propositiva, de relativização, nova chance, perdão, mistura de cristianismo com psicologia da paz. Talvez um contraplano a TETRO, de Coppola, que leva mais a sério seu enlace com a tragédia.

Poesia e a incompatibilidade

A vertente do adolescente envolvido com estupro, informação essa revelada pelo diário da vítima suicida, deveria ter sido dirigida elos Dardenne ou por David Lynch. Se fosse nos anos 50, por Fritz Lang ou Samuel Fueller. Parece claro que essa situação, ao ser dirigida por Lee Chang Dong, revela uma incompatbilidade. O diretor coreano parece não ter a crueldade e a crueza (sinônimos quase) necessárias para transformar os dados de uma doença psico social juvenil em situações nas quais esta doença esteja no ar. Sob sua lente, tudo soa indiferente, tudo parece entorpecido. E não se trata de orientalismo, como sabe quem conhece o cinema japonês e coreano.

Poesia, de Lee Chang Dong

O cinema coreano contemporâneo é vinculado à uma estilização  da violência e do absurdo, fundada em uma poesia da crueldade e em uma originalidade reciclada dos gêneros sangue B.

Cada diretor é um diretor, cada filme é um filme. POESIA, de Lee Chang Dong, por exemplo, é uma outra coisa.
 Já era em SOL SECRETO, história de uma mulher sapateada pelo sofrimento,. com direito a urros de dor.

Não se chega a tanto em POESIA. E esse encaminhamento do diretor para um olhar blasê no tratamento do sofrimento blasê de sua protagonista chapada é o aspecto mais frágil na comparação com o filme anterior.Naquele, havia lágrimas, sangue, palpitações. Nesse, o marca passo não sofre arritmias.

Parece caso de filme cujo roteiro depositou expectativa demais na direção e a montagem acreditou demais no roteiro (e de menos no material, com suas possibilidades).

O roteiro parece saido do workshop de como montar seu kit dramático para ingressar na vertente pop do circuito de festivais e salas de arte. A protagonista é uma coroa de 60 e poucos anos, início de Alzheimer, aprendiz de poeta, mãe do neto rebelde e calado (envolvido em estupro e suicídio de uma adolescente), por conta de quem tem de arrumar uma grana alta.

Multiplot condensado em uma única personagem (em cima de quem o filme constrói uma subjetividade ambígua). A coroa e a doença, a coroa e o neto criminoso, a coroa e a poesia. Fatalidade, circunstância, reação. Ameaça: o kit da agenda positiva e da auto-superação propositiva, com toda essa ladainha entoada como mantra de "acredito em mim, logo insisto".

Parace óbvio que, diante da finitude (esquecimento da linguagem) e da contingência (crime do neto), a poesia seja um escape. Uma resistência (da linguagem ameaçada, dos valores da beleza, não menos postos em extinção). Também soa óbvio que, em uma sociedade logo mostrada em seus aparelhos eletrînicos, a poesia seja uma persistência. Tudo bastante esquemático.

O esquema, porém, gagueja. Cada um desses plots habita o filme quando o filme precisa deles, sem interação entre os segmentos dramáticos, como se houvesse três curtas a ocupar paralelamente um longa.

Temos uma mesma personagem em cada uma das situações, mas em cada uma delas ela parece uma personagem diferente. Ou seria uma mesma personagem dirigida por três realizadores com idéias distintas sobre essa mesma personagem? Seja como for, ou não for, o filme se expande, mas sem manter epicentro. Isso o enfraquece

A montagem acredita demais nessas três vertentes da protagonista, multplicando quantidade de cenas de cada vertente para, talvez, compensar a falta de intensidade dramática de cada uma delas.  E da própria personagem, que, na poesia, na doença ou no caso do neto, está sempre de expressão chapada, entre o sorriso e a impotência, como se a vida a levasse sem ela ter participação.

O que não faz a montagem é montar. Se alguns cortes têm a força de uma mise en scène, muitos cortes poderiam ter limpado os evidentes excessos de situações redundantes em seu minimalismo expressivista. Dois momentos de expressão acima da experiência: ela gritando com o neto enquanto ele se esconde soba a coberta, ela continuando a jogar com o detetive na rua enquanto o neto é levado por outro policial. Nesses momentos, o filme quer chamar atenção para si.

Parece lógico que, se o roteiro quer tudo e a montagem não quer cortar nada, a direção não ajuda. Nem potencializa o roteiro, nem oferece força para montar. Muita profunfidade de campo recortada, muita luz, muita rarefação, muita procura pela modernidadse, mas em versão diluída e acanhada, cafona mesmo, com uma tematização da poesia um tanto primária, de militância pelo  pensamento positivo

Mas não sejamos crueis. POESIA tem a seu favor uma ausência de gomalina visual na iluminação e uma falta de régua e compasso na armação dos enquadramantos, revelando um ego criador mais modesto que o de muitos de seus colegas de geração. Importa para o olho do filme os movimentos da atriz principal a maior parte do tempo. Isso não o torna um grande filme, sequer bom filme (apesar das aproivações em San Sebastian e Cannes), mas ao menos nos mantém distantes da afetação. Ou será que nos leva a lamentar sua ausência?