sábado, 25 de junho de 2011

Poesia, de Lee Chang Dong

O cinema coreano contemporâneo é vinculado à uma estilização  da violência e do absurdo, fundada em uma poesia da crueldade e em uma originalidade reciclada dos gêneros sangue B.

Cada diretor é um diretor, cada filme é um filme. POESIA, de Lee Chang Dong, por exemplo, é uma outra coisa.
 Já era em SOL SECRETO, história de uma mulher sapateada pelo sofrimento,. com direito a urros de dor.

Não se chega a tanto em POESIA. E esse encaminhamento do diretor para um olhar blasê no tratamento do sofrimento blasê de sua protagonista chapada é o aspecto mais frágil na comparação com o filme anterior.Naquele, havia lágrimas, sangue, palpitações. Nesse, o marca passo não sofre arritmias.

Parece caso de filme cujo roteiro depositou expectativa demais na direção e a montagem acreditou demais no roteiro (e de menos no material, com suas possibilidades).

O roteiro parece saido do workshop de como montar seu kit dramático para ingressar na vertente pop do circuito de festivais e salas de arte. A protagonista é uma coroa de 60 e poucos anos, início de Alzheimer, aprendiz de poeta, mãe do neto rebelde e calado (envolvido em estupro e suicídio de uma adolescente), por conta de quem tem de arrumar uma grana alta.

Multiplot condensado em uma única personagem (em cima de quem o filme constrói uma subjetividade ambígua). A coroa e a doença, a coroa e o neto criminoso, a coroa e a poesia. Fatalidade, circunstância, reação. Ameaça: o kit da agenda positiva e da auto-superação propositiva, com toda essa ladainha entoada como mantra de "acredito em mim, logo insisto".

Parace óbvio que, diante da finitude (esquecimento da linguagem) e da contingência (crime do neto), a poesia seja um escape. Uma resistência (da linguagem ameaçada, dos valores da beleza, não menos postos em extinção). Também soa óbvio que, em uma sociedade logo mostrada em seus aparelhos eletrînicos, a poesia seja uma persistência. Tudo bastante esquemático.

O esquema, porém, gagueja. Cada um desses plots habita o filme quando o filme precisa deles, sem interação entre os segmentos dramáticos, como se houvesse três curtas a ocupar paralelamente um longa.

Temos uma mesma personagem em cada uma das situações, mas em cada uma delas ela parece uma personagem diferente. Ou seria uma mesma personagem dirigida por três realizadores com idéias distintas sobre essa mesma personagem? Seja como for, ou não for, o filme se expande, mas sem manter epicentro. Isso o enfraquece

A montagem acredita demais nessas três vertentes da protagonista, multplicando quantidade de cenas de cada vertente para, talvez, compensar a falta de intensidade dramática de cada uma delas.  E da própria personagem, que, na poesia, na doença ou no caso do neto, está sempre de expressão chapada, entre o sorriso e a impotência, como se a vida a levasse sem ela ter participação.

O que não faz a montagem é montar. Se alguns cortes têm a força de uma mise en scène, muitos cortes poderiam ter limpado os evidentes excessos de situações redundantes em seu minimalismo expressivista. Dois momentos de expressão acima da experiência: ela gritando com o neto enquanto ele se esconde soba a coberta, ela continuando a jogar com o detetive na rua enquanto o neto é levado por outro policial. Nesses momentos, o filme quer chamar atenção para si.

Parece lógico que, se o roteiro quer tudo e a montagem não quer cortar nada, a direção não ajuda. Nem potencializa o roteiro, nem oferece força para montar. Muita profunfidade de campo recortada, muita luz, muita rarefação, muita procura pela modernidadse, mas em versão diluída e acanhada, cafona mesmo, com uma tematização da poesia um tanto primária, de militância pelo  pensamento positivo

Mas não sejamos crueis. POESIA tem a seu favor uma ausência de gomalina visual na iluminação e uma falta de régua e compasso na armação dos enquadramantos, revelando um ego criador mais modesto que o de muitos de seus colegas de geração. Importa para o olho do filme os movimentos da atriz principal a maior parte do tempo. Isso não o torna um grande filme, sequer bom filme (apesar das aproivações em San Sebastian e Cannes), mas ao menos nos mantém distantes da afetação. Ou será que nos leva a lamentar sua ausência?

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