sábado, 25 de junho de 2011

INCENDIOS 2

É preciso escrever muito para escrever pouco. INCENDIOS é um dramalhão convicto demais em suas revelações e atento de menos a uma forma de manter o drama alto em cada uma de suas vertentes narrativas e temporais. O paralelismo entre mãe e filha, constante a maior parte do tempo, é a uma opção narrativa fácil e encaminhamento dramático equivocado. Falta um tanto para ter nível para cinema de qualidade para circuitos pops de arte. Esstá no mesmo nível de sub competência oportunista de POESIA

INCENDIOS


O começo nos leva a acreditar que estamos em uma bad trip, no nível de alguns dos piores momentos de Michael WinterbottoN. Imagem de montanhas, um travelling, garotos com cabeças sendo raspadas, rostos feridos, adultos de coturnos, atmosfera de poesia cult, movimentos em câmera lenta, música tristonha e apaziguadora., não sem um close em um dos meninos.

A imagem como banalização daquilo a qual está “dando” uma imagem. Não se trata de dar, mas de subtrair, não representação, mas estetização. Esterilização das evidências. O que são crianças pobres sem contexto diante de uma câmera lenta embalada em música com climinha?

Dois jovens: uma missão de busca (de irmão e pai) para cada um deles. Testamento de mãe louca. Falam todos francês de Quebec
Tem algum nível de delírio sensorial (do filme ou da personagem?). Mas é só aqui e ali. Aquela imagem inicial não é marca geral do filme, que é menos estetizado, mas sintetiza uma ausência de pés no mundo e sua contrapartida na autonomia da ficção

Segue-se passado árabe da mãe louca e a investigação árabe da filha de Quebec. Política mal contextualizada. Talvez só importe a generalização, a indicialidade genérica, agora com roupagem realista, em busca de adesão pelo efeito de documento e presença. O vai e vem temporal, contudo, não é facilitador do envolvimento. Tomates Verdes Fritos versão política apolítica.

Mãe era louca no presente, catatônica, porque sofreu demais. Vemos sua jornada em busca do filho doado com três furinhos no tornozelo. Ela sofre horrores, escapa da morte, mundo árabe é uma loucura. Líbano..

Viagem da filha é mais em busca de sua mãe e de sua ancestralidade cultural. Ela a andar por vestígios de cultura e história ao som de um rock lisérgico acentua essa integração pelo estranhamento. Integração só aparente porque em terra de sua mãe ela não é bem vinda. Filha da vergonha.

Em uma hora de filme, mãe e filha vagam pelo Líbano, ambas em busca de parte de si. De tempos em tempos, a cada novo bloco de espaço dramático, um letreiro gigante ocupa a tela, sempre com letras vermelhas, bem na “tradição” dos cineastas modernos dos anos 60. Letreiros um tanto incompatíveis com o filme. Ao menos aparentemente.

Mãe mata nacionalista, direita cristã, e vai presa. Estupro e gravidez. Os gêmeos são filhos de torturador. Irmão vai ao socorro emocional da irmã

Pelo flash back, ou paralelismo no passado, vemos o outro irmão, franco atirador na guerra. Mata crianças. O tom do relato é seco, racional, distanciado, sem desnaturalizar porém. O naturalismo standart dá o tom geral e, em momentos específicos, em nomes das atuações, saímos um tanto do figurino muzak.

É um filme de coleta de pistas por parte dos filhos e de resumo de experiência traumática por parte da mãe. Essa segunda parte antecede a primeira, quase sempre, e assim esvazia a expectativa. Sabemos antes o que os filhos, durante a investigação, sejam informados sobre o passado. Resta a força dos atores nesses momentos dos filhos. Nada.

INCENDIOS é um dramalhão político despolitizado que lida com a política e a guerra como cenário, voltando-se todas as suas forças para uma noção de passado enigmático, poço de segredos entrelaçados e coincidências de roteirista, que investe em um cinema de qualidade internacional sem a devida competência para se tornar um exemplo maior de uma Hollywood Cult multinacional em suas percepções. Depende demais de uma solução final contida nas cartas e antecipada antes. Irmão e pai em um só corpo.

O fim é de superação da raiva. Outra pauta propositiva, de relativização, nova chance, perdão, mistura de cristianismo com psicologia da paz. Talvez um contraplano a TETRO, de Coppola, que leva mais a sério seu enlace com a tragédia.

Poesia e a incompatibilidade

A vertente do adolescente envolvido com estupro, informação essa revelada pelo diário da vítima suicida, deveria ter sido dirigida elos Dardenne ou por David Lynch. Se fosse nos anos 50, por Fritz Lang ou Samuel Fueller. Parece claro que essa situação, ao ser dirigida por Lee Chang Dong, revela uma incompatbilidade. O diretor coreano parece não ter a crueldade e a crueza (sinônimos quase) necessárias para transformar os dados de uma doença psico social juvenil em situações nas quais esta doença esteja no ar. Sob sua lente, tudo soa indiferente, tudo parece entorpecido. E não se trata de orientalismo, como sabe quem conhece o cinema japonês e coreano.

Poesia, de Lee Chang Dong

O cinema coreano contemporâneo é vinculado à uma estilização  da violência e do absurdo, fundada em uma poesia da crueldade e em uma originalidade reciclada dos gêneros sangue B.

Cada diretor é um diretor, cada filme é um filme. POESIA, de Lee Chang Dong, por exemplo, é uma outra coisa.
 Já era em SOL SECRETO, história de uma mulher sapateada pelo sofrimento,. com direito a urros de dor.

Não se chega a tanto em POESIA. E esse encaminhamento do diretor para um olhar blasê no tratamento do sofrimento blasê de sua protagonista chapada é o aspecto mais frágil na comparação com o filme anterior.Naquele, havia lágrimas, sangue, palpitações. Nesse, o marca passo não sofre arritmias.

Parece caso de filme cujo roteiro depositou expectativa demais na direção e a montagem acreditou demais no roteiro (e de menos no material, com suas possibilidades).

O roteiro parece saido do workshop de como montar seu kit dramático para ingressar na vertente pop do circuito de festivais e salas de arte. A protagonista é uma coroa de 60 e poucos anos, início de Alzheimer, aprendiz de poeta, mãe do neto rebelde e calado (envolvido em estupro e suicídio de uma adolescente), por conta de quem tem de arrumar uma grana alta.

Multiplot condensado em uma única personagem (em cima de quem o filme constrói uma subjetividade ambígua). A coroa e a doença, a coroa e o neto criminoso, a coroa e a poesia. Fatalidade, circunstância, reação. Ameaça: o kit da agenda positiva e da auto-superação propositiva, com toda essa ladainha entoada como mantra de "acredito em mim, logo insisto".

Parace óbvio que, diante da finitude (esquecimento da linguagem) e da contingência (crime do neto), a poesia seja um escape. Uma resistência (da linguagem ameaçada, dos valores da beleza, não menos postos em extinção). Também soa óbvio que, em uma sociedade logo mostrada em seus aparelhos eletrînicos, a poesia seja uma persistência. Tudo bastante esquemático.

O esquema, porém, gagueja. Cada um desses plots habita o filme quando o filme precisa deles, sem interação entre os segmentos dramáticos, como se houvesse três curtas a ocupar paralelamente um longa.

Temos uma mesma personagem em cada uma das situações, mas em cada uma delas ela parece uma personagem diferente. Ou seria uma mesma personagem dirigida por três realizadores com idéias distintas sobre essa mesma personagem? Seja como for, ou não for, o filme se expande, mas sem manter epicentro. Isso o enfraquece

A montagem acredita demais nessas três vertentes da protagonista, multplicando quantidade de cenas de cada vertente para, talvez, compensar a falta de intensidade dramática de cada uma delas.  E da própria personagem, que, na poesia, na doença ou no caso do neto, está sempre de expressão chapada, entre o sorriso e a impotência, como se a vida a levasse sem ela ter participação.

O que não faz a montagem é montar. Se alguns cortes têm a força de uma mise en scène, muitos cortes poderiam ter limpado os evidentes excessos de situações redundantes em seu minimalismo expressivista. Dois momentos de expressão acima da experiência: ela gritando com o neto enquanto ele se esconde soba a coberta, ela continuando a jogar com o detetive na rua enquanto o neto é levado por outro policial. Nesses momentos, o filme quer chamar atenção para si.

Parece lógico que, se o roteiro quer tudo e a montagem não quer cortar nada, a direção não ajuda. Nem potencializa o roteiro, nem oferece força para montar. Muita profunfidade de campo recortada, muita luz, muita rarefação, muita procura pela modernidadse, mas em versão diluída e acanhada, cafona mesmo, com uma tematização da poesia um tanto primária, de militância pelo  pensamento positivo

Mas não sejamos crueis. POESIA tem a seu favor uma ausência de gomalina visual na iluminação e uma falta de régua e compasso na armação dos enquadramantos, revelando um ego criador mais modesto que o de muitos de seus colegas de geração. Importa para o olho do filme os movimentos da atriz principal a maior parte do tempo. Isso não o torna um grande filme, sequer bom filme (apesar das aproivações em San Sebastian e Cannes), mas ao menos nos mantém distantes da afetação. Ou será que nos leva a lamentar sua ausência?

segunda-feira, 2 de maio de 2011

montevideo

de Eduardo Galeano, mais ou menos assim: moro em Montevideo não porque nasci aqui, porque ninguém precisa morar onde nasceu, moro  porque é possível caminhar e respirar em Montevideo, algo raro hoje. E porque uma professora uma vez me disse, respira Eduardinho, porque, se não respirar, não será possível viver.  Sou um caminhador, com isso economizo em transporte, remédios e análise. A melhor forma de viver é sempre a forna econômica.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Vinte e três diias , algumas imagens e tantas leituras depois

A ausência de post é sempre conotativa. Nunca é apenas denotação. O retorno, se necessário, também o é. Se necessário for retornar.

Algumas imagens de cinema de imagens sobre as quais escrever em momento seguinte: "Blow Out", de De Palma;e "A Lei do Desejo", de Almodóvar.


Escolher uma cena/sequência em cada um

1) A sequência final de "Blown Out", com toda a implicação dela, com tudo o que nela reverbera.
2) O primeiro número musical de "A Lei do Desejo", com tudo o que nela tem de artifício

Para depois, sempre depois. Muitos textos adiados para sempre.

Volto com leitura, portanto:

"..acreditamos que há, no que se chama poesia, forças vivas , e que as imagens de um crime apresentadas em condições teatrais adequadas funciona para o espírito como algo infinitamente mais temível que o crime"

Artaud maio de 1933 em O Teatro e seu Duplo

domingo, 3 de abril de 2011

manhã de domingo

De uma aluna: "por que sempre desconfio da veracidade documental de documentários sem entrevista?"
  
De um professor: "por que você confia na veracidade das entrevistas? Elas podem ser simuladas ou só conter invenções".


Duas coisas ligeiras:

    1) a pergunta da aluna pressupõe um plus de confiança na palavra dos entrevistados em documentário.

 Não é qualquer palavra, nem a do locutor, nem de pessoas a conversar entre si, mas a palavra de alguém para outra pessoa situada, em geral, atrás ou ao lado da câmera: o direcionamento do olhar e da palavra-resposta-tesmunho para um ouvido curioso e interessado nessa palavra. 

Essa troca de olhares, esse elo, essa comunicação, por essa perpectiva da aluna, é a garantia da veracidade.: justamente aquele direcionamento de olhar que, no cinema narrativo tradicional, seria a quebra da crença.

Disse um colega da aluna: O documentário começa quando alguém olha para a câmera e revela a presença de outras pessoas naquele lugar.

Por essa lógica, todo filme reflexivo, mesmo se essa reflexividade for encenada (e sempre é), é a travessia para o documentário.

O curioso desse plus da palavra em primeira pessoa no documentário, com olhar direcionado para alguém da equipe (raramente diretamente para a câmera e para nós), está nessa resistância do verbal em um mundo e tempo nos quais a revelação está associada à evidência e à perícia (não ao testemunho transformado em relato e em relato transformado em retórica).

Revelação = técnica + ciência. 

A palavra seria, portanto, e mais que a imagem, sinal de subjetivação. Resistência às máquinas de visualização . Talvez essa valorização da palavra como documento de verdade, mais que documento, procure na palavra uma retomada de narração e fabulação,  uma compensação para a perda da experiência e de seu compartilhamento, como coloca Walter Benjamin em O Narrador.

A historiadora argentina Beatriz Sarlo, com o conhecimento do processo histórico posterior a Benjamin, contrapõe-se ao diagnóstico de extinção do compartilhamento. Ela localiza a partir dos anos 70 uma inflação do eu, que estaria nos anos 90 e 00 em um processo já de colapso hiper-inflacionário. Isso se manifesta na historiografia e em outras ciências humanas na tercerização da produção de relações apartir de observação e pesquisa para o testemunho direto de quem viveu a experiência. Falar em primeira pessoa, por meio de entrevistas e depoimentos, torna-se o caminho para a verdade.
Voltemos à entrevista no documentário ou ao documentário de entrevista. Nada contra. Colocar-se em relação verbal é fundamental em qualquer experiência. Toda a questão não está na entrevista, mas em sua formalização, em seu ritual, em seu procolo, em um modo dela ser realizada. Em suma, com todos os riscos de emprego do termo, o que importa, rigorosamente, na entrevista é a mise en scène.

Aposentemos o termo entrevista para o documentário. Chamemos de conversa curiosa.  A  troca de nome já esvazia a armadura e a indumentária da entrevista. Objetivo: tirar essa conversa de uma formalidade autômata e anômaloa necessitado da respiração de uma troca e de uma convivência, mais que de um questionário, de modo a tirar as pessoas dos sofás e dos bancos,  às vezes filmadas com a câmera na altura de suas virilhas, com mulheres de saia mais preocupadas em esconder as pernas do que em estar ali  não apenas de corpo presente. Objetivo: desengessar a armadura do quadro, a frontalidade psicopolicial de investigação sobre segredinhos, sobre intimidades, sobre o particular que entrega a chave.

Um pouco mais de lateralidade na troca e menos de frontalidade confessional-testemunhal. Mais a cena e menos o íntimo. O documentário como convivência pública, política, afetiva e efetiva, despido do fetiche do íntimo, do personal, de um certo DNA do afeto, da pele e dos gestos, com câmera indiscretas coladas a poros e rugas para efetuar proximidade.

Mais distância.

Proximidade afetiva não é vampirização do corpo, uma câmera não é uma boca sugadora de pele, sequer um microcóspio. A câmera é a medida de uma relação e de uma proximidade física entre dois corpos. Daí que lentes de aproximação, zooms, essas estratégias que alteram a distância focal, mas mantêm a respeitosa distãncia entre os corpos de quem filma e é filmado, são sempre trapaças da mise en scène

São permissividades técnicas possibilitadoras de vantagens para quem filma e de exposição á vulnerabilidade de quem se coloca diante da câmera, aumentando a responsabilidade de quem filma e também os riscos para quem é filmado

Relativização: tudo depende de quem é filmado.

Respeito, mesmo em cinema, em documentário, assim como na vida, é dialógico. Não se trata de sentimento absoluto e generalizável. A forma de filmar ditadores, torturadores, homofóbos e neonazistas não é a mesma de se filmar outras pessoas e a forma de filmar outras pessoas não é a mesma de filmar tantas outras. 


     2) Tanto no comentária da aluna como na resposta do professor está em jogo um índice de confiabilidade da imagem e da palavra. Crer ou não crer. A imagem e a palavra tornam-se potencial sintomas de trapaças, elementos de desconfiança, que são manifestações só possíveis se tomarmos palavras e imagens como documento de qualquer coisa, não como reação a certa contingência de uma forma talvez só possível de acontecer daquele exato modo naquela contingência específica


                                                                                     ***

"Um campo em que a imagem prolifera é o científico". Frase de Martine Joly, dela apenas porque li no livro (dela) sobre análise de imagem, perspectiva dos signos, que voltou a estar na onda em nossas novidades teóricas tão retrô (em qualquer segmento, do neo-bazanianismo ao neo-semanticismo, dos nouveau-realistas aos nouvelle mise-en-scenéfilos).

A frase é de Joly, mas poderia ser de qualquer um, é uma frase qualquer, informativa-constatitva O que importa nela é perceber como Lumière estava errado quando, frustrado com a falta de utilidade científica do movimento da imagem, decretou seu futuro muito breve e efêmero. A imagem científica, que tanto interessava Bazin, é a imagem do futuro. E talvez o futuro da imagem

Games reproduzindo sondas navegando por artérias e canais intestinais. Ganha quem detectar o tumor. Imagem de dentro.

O cinema já mostrou algumas vezes o corpo humano por dentro, seja com naves científicas miniaturizadas, seja para seguir a trajetória de uma bala, mas o avanço das fronteiras para as imagens científicas, suponho, acarretará uma séerialização e narrativas por dentro do corpo humano, para além dos documentários médicos

Cronenberg ficava do lado de fora


                                                             ***

sexta-feira, 1 de abril de 2011

subjetivo e sub objetivo

Amigo pede mais subjetividade. Mas tudo já é tão sub objetivo. Temo que o sub, se inflado, descola-se. E nesse descolamento o subjetivo desvairzado avizinha-se de um autismo sub-abjeto. O que se chama, ou a que se clama, de subjetivismo, convenhamos, em algum nível sub-objetivizável

narrador e personagem

narrador e documentário

Desfile de personagens bons de contar histórias sobre si mesmos em tantos documentários. Necessidade de recuo histórico. O Narrador, de Benjamin.

"São cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente".

Preservação de narradores, de si mesmos quase sempre.

Devidamente é termo a dificular essa relação: com o dever de narrar dentro dos conformes mínimas de organização de fatos em forma comunicativa

Estamira narra devidamente?

Anotar para pensar melhor depois

vaca encalhada e leite coalhado

Uma vaca encalhada, para além da possível compaixão gerada nas pessoas de espírito verde, é um entrave no sistema. Uma vaca tem uma função social e econômica. Encalhar é um acidente, caso ela não tenha tido a intenção de encalhar para desviar-se de sua função, um obstáculo à produção. Algo não está ocorrendo segundo os conformes, as regras, o método estabelecido para certo funcionamento.


Avacalhar é encalhar com intenção. Portanto, é desfuncionalizar, não por acidente, mas por atentado. Toda atitude de avacalhação posta-se contra o rendimento de uma consensual conformação de atitudes e de métodos, ou seja, contra uma forma de funcionamento de qualquer sistema ou determinado espaço social-cultural-econômico. 

Alguns filmes e diretores em ação no fim dos anos 60 e começo dos 70, em São Paulo, Rio e Salvador, avacalham com o discurso e com  a forma fílmica, construindos planos selvagens em suas inventividades e relacionando esses planos com outra lógica articuladora (ou sem lógica aparente). 

Antes de responderem imediatamente a um contexto histórico de presente asfixiado e ensaguentado, vinculam-se à uma vertente artística de encalhe de vaca, de atentados contra os modos corretos, segundo a perspectiva da comunicação de informações-emoções do comércio cinematográfico, ou seja, contra o critério estético do lucro

No entanto, O Bandido da Luz Vermelha e A Mulher de Todos, em vez de atentados contra o comércio, foram acolhidos nas máquinas de calcular. Frescor pop esquizóide, um disjunção ainda com pontos de referências e, apesar dos parênteses e hiperlinks, ainda com noção de desenvolvimento, ainda que não linear, não causal, não conduzido por uma bússola

A vaca encalha por opção, mas dá o leite ali mesmo, na lama, e o leite sai coalhado.

Porque leite de vaca encalhada coalha

Serge, Nick e Wim

(...) Vem também de alguma coisa que o cinema pode e que apenas ele pode (melhor que a pintura), porque (o cinema) é uma arte figurativa, isto é, repousa sobre a possibilidade de fazer "retornar" as figuras, fazê-las voltar voltar de um passado no qual representaram para alguém alguma coisa única.


Serge Daney ("Nicks Movie", em A Rampa, pag 224)

É por isso que a atitude que consiste em criticar NICK´S MOVIE por razões morais me parece, ela também, tacanha, senão injustificada. O que é abjeto no cinema é a mais valia fugurativa, a "sobreimagem" que um autor resguardado tira do espetáculo de um ator exposto (exposto ao ridículo, à indecência, à morte), é a ignorância de não reciprocidade do contrato fílmico. Mas o que acontece se o ator exposto, que foi também um autor, que entende os dois lados (both sides), suscitou esse espetáculo, se ele o quis? Se ele também deu esse espetáculo? Diante de Ray, há um outro autor, introvertido, ou melhor, pouco à vontade: Wenders. Entre eles, o jogo está à mesma altura, porque eles têm um ponto em comum: são "poseurs"

Serge Daney ("Nicks Movie, em A Rampa, pag 225)


É certo que ao remontar o filme, Wenders traiu alguma coisa: ele traiu o filme de Przygodda (montador do filme, que havia feito uma montagem pouco montada), o documento puro e duro (exibido no Festival de Cannes). Podemos deplorá-lo, claro. Mas é certo que, ao fazer isso, Wenders encontrou o verdadeiro tema de seu filme, nem a morte de Ray, nem a vertigem da filmagem dentro da filmagem, mas a verdade de sua relação com Nicholas Ray.

Serge Daney ("Nicks Movie", em A Rampa, pag 227)




sexta-feira, 11 de março de 2011

teoria sem autor, autor sem teoria

      O autor como manifestação de singularidade em sua ausência. 
         Nada de desubjetivação, mas de multisubjetividades
         Não apenas o múltiplo do único, mas dos únicos reunidos.
         Teorias não dão em árvores, nem são frutos de saltos ornamentais
         São processos históricos, comparilhados, que interferem-se mutuamente.
         Que importa quem fala?
         Importa antes o que e como se fala.]
         Deixemos os autores para a sobremesa e tentemos nos reter na autoria
         O autor é propriedade, prioridade e chave de segurança
         A autoria é uma expressão, um travessia sem destino pré-definido e uma constatação de processo
         A autoria é fruto de uma relação da obra com seu público

entrevista, fala, personagem

   Algumas generalizações válidas apenas pela constância na experiência pessoal. Um documentário a fazer. Ou doc, como diz hoje, em neo hierogrifo. Um doc a fazer implica encontrar personagens. Aciona-se o mecanismo de caça a tipos exóticos e incomuns. Personagens significam, genericamente, gente incomum. E performática. É preciso estar bem diante da câmera. Essa performance para a câmera se dá sobretudo pela palavra. Com ou sem pergunta, importa, para esses docs de personagens, a a entrevista. Construção pela fala. 

Jean Claude Bernardet implica com isso no posfacio da edição atualizada de Cineasta e as Imagens do Povo. A palavra não é tudo. A historiadora argentina Beatriz Sarlo questiona a sacralização do verbo, sobretudo das vítimas,  e a transformação de auto-relatos como atestado da verdade. Deixa--se de construir um ponto de vista, a partir da relação entre testemunho de experiência e o olhar para essa experiência,  para se terceirizar a discursividade em direção a quem fala. Fala-se o que? Em resposta a quais perguntas? Elias Canetti parte do princípio de que a pergunta é um gesto invasivo. Uma estratégia de cerco, de tocaia, de jogo, em busca de um algo a mais, algo ainda não liberado.

Nada contra.

Contra, sim, modelos. A entrevista sempre esteve no documentário brasileiro desde "Viramundo," de Geraldo Sarno, e "Maioria Absoluta", de Leon Hirzsman, mas naquele momento era usada a partir de uma tema, com uma hipótese construida em cima de uma seleção de momentos de falas.de anônimos ,com autobiografias sintetizadas e nenhuma indvidualidade ou mesmo nomes próprio.s Importa o que fazem, o que pensam de sua situação, qual seu lugar na socidade, não o que sentem. 

A nova entrevista, pelo menos desde "Boca do Lixo" e "Santo Forte," de Eduardo Coutinho, desloca-se para o subjetivo. Importa menos o contexto no qual se dá a experiência invidual e mais o indivíduo como presença cênica diante da câmera. Importa o extraordinário do encontro, na linha Jean Rouch, mas um encontro sempre muito frontal, cineasta quase sempre fora, personagens dentro, o fora adentrando ao plano pelas perguntas.

Há formas e formas de se chegar ao personagem. Nem sempre pela palavra. 

Não há apenas personagens.

Respostas a perguntas já feitas: o tomate é o personagem principal de "IIlha das Flores," de Jorge Furtado, assim como é uma fotografia a personagem central de "Ulisses", de Agnes Varda.

Desapresender é mais difícil que aprender alguma coisa. 



coração selvagem e a imagem-interior

    Nos primeiros minutos de "Coração Selvagem", direção de David Lynch, Lula aciona flash-backs, imagens de sua memória, de seu interior. Sangue e chamas. 
    Uma imagem com um dentro com outra imagem. 

     O fogo retorna em outros momentos. 

     Essa imagem de dentro, gerada pelo interior de um personagem, recusada por Jean Douchet em sua crítica a "O Ano Passado em Marienbad", de Alain Resnais, é irradiada lá dos anos 20 em muitos filmes vinculados à vanguarda francesa (de Jean Epstein, Germaine Dullac)

     Nos anos 00, 90 anos depois da estilização da interioridade, de imagens de sonhos e de alucinações, de desejos e de lembranças, a imagem de dentro é standart.

     Vejam os filmes recentes dos bombadinhos Daren Aronofski e Christopher Nolan.

      "Cisne Negro" e "A Origem" são o paradigma.

       Nos dois casos, há o dentro e fora, assim, bem ordenados, e no finalo fora se impóe, se não como certeza, certamente como direcionamento.

        Um na morte.
        O outro no retorno do luto.

tarantino

              Tarantino é emblema máximo desse cinema progressivamente instalado desde os anos 60, que explode como conjunto nos anos 80-90, justamente o momento de nascimento do cineasta.

              "Cães de Aluguel" ainda é híbrido,

              mas "Pulp Ficition" primeiro e a fase pós "Jackie Brown" depois, com os dois "Kill Bill", "A Prova da Morte" e "Bastardos Inglórios", tornam-se paradigmas dessa imagem

               Outros fillmes nos 90 e 00 seguiram esse caminho.

               Como pode ser lido na Contracampo (contracampo.com.br), "Panteras Detonando", por exemplo, seria uma auto-intoxiacação dessa imagem

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     Um curso sobre um certo tipo de imagem. 

     Não se trata de datas, mas de fluxos. Os finais de 60, 70 e 80, os ínícios de 70, 80, 90
  
   : filmes paradigmáticos de um perííodo da imagem cinematográfica em suas relações com estruturas narrativas e com os referentes fora da imagem.
  
    Serge Daney chama de terceira fase, de maneirismo, ao que se nomeou, também, de formalismo ou esteticismo. Descaminhos do cinema moderno.Uma vez desmontados certos caminhos (de causa e certezaa), uma vez adotada a desorientação, assim de forma genérica, o que resta ao cinema? Os ismos da imagem

   Nem sempre são categorias essas palavras, esses substantivos com perfume de conceito duro. Muitas vezes, na cultura cinematográfica, como em toda cultura, são sensos comuns, aplicados para se medir a distância maior ou menor da imagem em relação aos modelos fora dela.
  
     Existe o fora?
     A invenção de um mundo ficional auto-consciente, reflexivo em momentos mais radicais, mas apenas paródico e referente em outros tantos, pode ser reduzido ou filosofado como movimento pós-moderno.

     Deixemos de lado essa racionalização para além da tela. Primeiro, os filmes,. De forma particular a princípio. De forma associativa em momento posterior. Associações menos por categorias, mais por afinidade de personalidade estilística, por uma forma de lidar com a imagem, com toda consciência de seu passado, com toda a crise manifestada na ansiedade por um outro caminho de originalidade, sem selo de autenticidade, mas com marcas de recombinações de quem estudou o ofício.

   Leituras: Andre Bazin, Serge Daney, Olivier Assayas. Textos disponíveis por ai e por aqui
    Filmes matrizes:
    
    Ano Passado em Marienbad, de Alain Resnais
    Acossado, de Jean-Luc Godard
    Made in USA, de Godard
    O Demônio das Onze Horas, de Godard
    A Mulher de Todos, de Rogerio Sganzerla
    Matou a Familia e foi ao Cinema, de Julio Bressane
    Eros + Massacre, de  Suzuki
    No Fundo do Coração, de Francis Ford Coppola
    Amarcord, de Fellini
    Fome de Viver, de Tony Scott

    Filmes dos 80 também nos 90
    
    Rumble Fish, de Francis Ford Coppola
    Duble de Corpo, de Brian De Palma
    Filme Demência, de Carlos Reichenbach
    Afogando em Números, de Peter Greanaway
    Movaux Sang, de Leo Carax
    Arizona Nunca Mais, de Joel Coen
    Cidade Oculta, de Chico Botelho 
    Tangos, Exílio de Gardel, de Fernando Solanas
    Veludo Azul, de David Lynch
    Mulheres a Beira de uma Ataque de Nervos, de Pedro Almodóvar
    Subway, de Luc Besson
    Diva, de Jean Jacques Beineix
    A Dama do Cine Shanghai, de Guilherme de Almeida Prado
    Barton Fink, de Joel Coen
    Sexo Mentiras e Videotape, de Steven Soderbergh
    Delicatessen, de Jean Pierre Jeneut
    Os Amantes da Ponte Neuf, de Carax
    Coração Selvagem, de Lynch
    Europa, de Lars Von Trier
    Naked Lunch, de David Cronenbergh
    Kika, de Almodóvar
    Fogueira das Vaidades, de De Palma

   Há buracos na lista, alguns propositais, outros por esquecimento, outros ainda por falta de disponibilidade dos filmes, mas toda a lista é sempre provisória. 

    Poucos exemplos latinos-americanos e asiáticos